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Madalena Dionísio

Esta entrevista foi conduzida pela colaboradora do departamento de Comunicação, Ana Castelão. A professora Madalena é uma das professoras mais acarinhadas pelos estudantes. Alguém extremamente dedicada, compreensiva e pedagoga; a professora é a pessoa que não avança na aula sem que um aluno, abertamente, não perceba o tema abordado. Por estes (e outros) motivos era imperativo contarmos com esta entrevista.

Sem mais demoras, segue o transcrito da entrevista:


Qual é a sua formação? Onde tirou o(s) seu(s) curso(s) e qual o(s) grau(s) do(s) mesmo(s)?

Licenciei-me na FCUL em 1986, doutorei-me no IST em 1992 e fiz as provas de agregação na FCT NOVA em 2017 em Química-Física.


O que a levou a escolher o curso que tirou?

O gosto pela Química veio essencialmente de uma professora muito dedicada que tive no secundário, de seu nome Teresa Sá, no liceu Maria Amália Vaz de Carvalho, em Lisboa. Os laboratórios e as muitas horas de sessões práticas de Química tiveram um papel determinante na minha escolha, o que alerta para a necessidade de equipar as escolas e de proporcionar aos professores condições de trabalho adequadas. Mas, sobretudo, o exercício da docência como vocação. Vocação e missão, isso ultrapassa tudo o demais. Foi a maior lição que aprendi dessa professora.


Quais são, neste momento, as suas principais áreas de interesse científico?

A minha investigação é na área da mobilidade molecular sondada por espectroscopia de relaxação dielétrica. Nos últimos anos, dedicamo-nos mais ao confinamento de fármacos em sílicas nanoporosas, promovendo a amorfização de drogas com potencial melhoria da solubilidade e atividade terapêutica, avaliando a influência do confinamento no movimento molecular e nas transformações de fase dos materiais. Em paralelo, temos contribuído para a caracterização de materiais condutores produzidos por colegas nossos que trabalham com líquidos iónicos e misturas eutécticas. Fazemos ainda a caracterização de mobilidade molecular em polímeros e derivados.


Quais são as principais mudanças que deteta desde que teve a sua instrução até ao presente?

Não consigo dizer mal do ensino. Recordo-me de a tia do meu marido criticar a falta de conhecimento dos estudantes atualmente, ela que tivera de decorar linhas de caminho de ferro de Portugal continental e colónias. Mas, hoje, um estudante consulta a net, vê as estações de caminho de ferro atualizadas, em Portugal e em qualquer País do Mundo, o horário dos comboios e, se quiser, compra um bilhete. São competências diferentes. Reconheço e lamento que a memória é uma competência que se está a perder, já não temos necessidade de armazenar tanta informação pois “está à distância de um clique”. Mas, por outro lado, jogos com graus de dificuldade progressivamente superior, inexistentes quando estava no secundário, por exemplo, estimulam o cérebro. O problema é o grau de dependência que provocam e a forma como atraem os mais jovens, desmotivando-os para a aprendizagem escolar, quando e se o formato desta não evoluir. Há projetos de ensino muito válidos que visam desconstruir o modelo escolar e académico antigo, que durante centenas de anos não evoluiu, com o professor a ter um papel praticamente unívoco. O ensino está a passar progressivamente para o lado do estudante como sujeito da sua própria aprendizagem tendo nela um papel ativo. Surgem modelos baseados em projeto, o que implica trabalhar e aprender em equipa, responder a questões concretas de forma multidisciplinar. Os próprios projetos na universidade deveriam envolver estudantes e docentes de várias licenciaturas e mestrados diferentes, numa perspetiva de complementaridade de saberes.


Qual pensa que deva ser a primeira reforma a realizar no sistema de ensino?

Lamento o cada vez menor respeito pela profissão de professor. Há cerca de 30 anos, qualquer um que não conseguisse emprego na sua área, concorria para as escolas. Não digo que tenha havido total falta de seriedade, mas o que é certo é que muitas pessoas envergaram pelo ensino como solução de recurso para si mesmos e não como vocação para os jovens, sem espírito de serviço. O panorama atual é felizmente diferente, mas existem problemas de disciplina e comportamento que não eram tão graves antigamente. Investir nos professores, apoiar os estudantes com menor rendimento escolar, promover a sua motivação, encontrar pontos de interesse, formas de se valorizarem, equipar tecnologicamente as escolas, investir na relação com as universidades, promover projetos conjuntos. Nisso a FCT NOVA tem sido exemplar. Este ano receberemos 1345 estudantes do secundário entre 10 e 12º ano de 15 escolas da região limítrofe à faculdade, que virão à FCT realizar os trabalhos práticos, acompanhados por cerca de 30 docentes, e depois farão e discutirão os relatórios nas suas escolas – um projeto que existe há cerca de 20 anos, coordenado pelo Professor Marco Silva, do Departamento de Química. O investimento que se fez na preparação de estudantes para olimpíadas de ciência, tudo são experiências muito enriquecedoras de parte a parte, academia e secundário, que contribuíram para melhorias significativas nos resultados das equipas portuguesas. O sistema de ensino vai mudar inevitavelmente com a percentagem elevadíssima de professores que atingirão nestes próximos 2 a 5 anos a idade da reforma. Acredito que evoluiremos para um paradigma diferente. Não é desvalorizar o trabalho das gerações anteriores que muito se sacrificaram, exercendo uma profissão mal reconhecida, mas talvez haja agora, com o aumento da mobilidade, programa Erasmus etc., dos atuais candidatos a docentes, a sua ligação à academia, pois muitos serão investigadores, uma oportunidade para implementar uma visão diferente do que é o ensino. Mas uma coisa é certa - por muito mal que se diga do sistema de ensino no básico e secundário, algo que os estudantes tenham apreendido nessa fase de escolaridade não esquecem, enquanto o que aprendem atualmente na universidade, fica esquecido no semestre seguinte… É preciso rever o atual sistema de avaliação contínua na universidade. Se calhar começava por aí…


Qual a sua opinião sobre a propina gratuita?

Foi com propina gratuita que eu e os meus 4 irmãos frequentamos a faculdade. Assim, não tenho autoridade moral para defender propinas. É uma medida que, a ser adotada, terá de ser compensada com um aumento substancial do subsídio público. Mas, sim, o investimento no ensino e na academia é fundamental. O retorno virá a seu tempo. Temos propinas muito elevadas quando comparadas com outros países europeus. Talvez o sistema francês seja o mais próximo do nosso, localizando-se (os franceses) em termos de ranking nos primeiros lugares das melhores universidades do mundo, tendo propinas muito inferiores às nossas. O mesmo acontece na Dinamarca (gratuito) e na Alemanha. Tudo universidades com sistemas de ensino de excelência, apostando no perfil dos profissionais do futuro. Em Portugal, existem alguns sistemas de apoio, nomeadamente o SAS, mas a isenção de propina só é aplicada se a situação familiar do estudante roçar o limiar da miséria. De qualquer modo, é de louvar iniciativas como a do Reitor da Universidade NOVA, Professor Doutor João Sáàgua, que criou as Bolsas Geração NOVA com o intuito de cobrir uma faixa importante de estudantes que têm bastantes dificuldades económicas, mas já se situam acima do limite crítico o que os impede serem abrangidos pelo apoio do SASNOVA.


Qual é o principal conselho para os alunos do nosso curso?

Não desistir, dar o melhor de vós agora, não adiar. Em tudo o que fizerem, façam-no com total entrega visando aprender, melhorar. Não digo serem os melhores, mas ser o melhor que neste momento e na vossa situação concreta conseguirem ser. Informarem-se junto dos vossos professores da possibilidade de irem aos laboratórios e fazerem pequenos estágios extracurriculares. Mesmo que não conte para nota nem para créditos, mas pelo gozo de aprender e experimentar. Não pretendam “passar” simplesmente às disciplinas, mas aprendam solidamente os seus conteúdos. Encontrem um grupo com o qual consigam estudar e trabalhar bem. E façam desporto, leiam, e durmam um número mínimo de 8 horas.


E qual é o principal conselho para os alunos que estão agora a entrar no mercado de trabalho?

Continua a ser: não desistir. Como viram em CTCT, uma entrevista ou um teste psicotécnico pode ter corrido mal, mas todos os erros ou aparentes derrotas serão úteis para aprender, e evitar no futuro. Invistam muito nos projetos de final de licenciatura, de estágio. Não queiram ser simplesmente mais um. Para além das bases teóricas sólidas - fundamental! - é importante saberem definir-se, mostrar de forma clara aquilo em que se distinguem. Por exemplo, numa entrevista, saber dizer qual a vossa contribuição específica num trabalho em grupo, num projeto realizado. E isso pode ser desde i) pesquisa bibliográfica porque dominam muito bem a internet, as keywords certas, bases de dados, a ii) saberem organizar-se e organizar a equipa estabelecendo um cronograma, distribuindo tarefas porque conhecem muito bem aquilo em que os vossos colegas são melhores e por isso a forma como melhorarão o trabalho, no fundo a exercitarem as vossa competências de liderança, iii) ao domínio de ferramentas como o Excel , ou por exemplo, Matlab, iv) ao redigir um texto com competências de escrita e elaboração de relatórios com capacidade de discussão e sentido crítico, v) ao domínio de línguas estrangeiras (especificar quais), vi) à capacidade de motivação da equipa, importantíssima em momentos em que parece que já não há capacidade de resposta, de tudo parecer estar contra, de imensos testes e trabalhos para entregar, encontrar forças que motivem os outros e mantenham “em alta” o espírito da equipa. Aprendi a valorizar muito as pessoas que são assim, e sobretudo a ter um bom sentido de humor.


Qual acha que é o futuro da energia?

De variadas fontes, certamente. Penso que o nuclear é inevitável. Também, por exemplo em Portugal, com uma costa tão grande, a conversão de energia das ondas é uma possibilidade, mas a instalação e manutenção dos equipamentos não é tarefa fácil. A energia eólica, o biodiesel. Mas há que investir muito em estratégias de poupança de energia, por exemplo no isolamento de edifícios. Muito consumo de energia gasto em aquecimento ou refrigeração poderia ser minimizado se os edifícios fossem bem isolados. Agora é moda a construção em vidro, o que cria imensas superfícies frias no inverno e quentes no verão, aumentando o gasto em climatização.


E da mobilidade?

A mobilidade terá de ser também diversificada, por exemplo, investir muito em transportes públicos. Quando entrei para a FCT levava 1h40m de minha casa à faculdade, já a filha dos meus vizinhos, que entrou este ano e a quem por vezes dou boleia, leva atualmente 1h05mn (em quase 30 anos a melhoria é pouco significativa). Apanha 4 transportes e residimos na zona de Telheiras-Lumiar, uma zona relativamente central, mas sem metro a uma distância a pé a partir de casa (o tempo que levo a chegar ao metro é o mesmo que levo a chegar à FCT de carro…. 21 minutos). No ramo automóvel, o elétrico por si só não penso que seja solução. Defrontamos um problema enorme com a recuperação de baterias, cuja substituição tem, para o consumidor, um custo equiparável a um veículo novo. Na reciclagem de baterias já existem soluções que envolvem reaproveitamento em estações de comboios (projeto da Nissan no Japão, por exemplo), mas parece-me que não extinguirá o problema das baterias em fim de vida. Há já uns anos, o meu marido falava-me da opinião do português Carlos Tavares, à frente do grupo internacional PSA que integra a Citroen, Peugeot, Opel etc, que defendia que os fabricantes deveriam controlar as emissões sim, mas não reduzindo a um único tipo de veículo. Falava dos elétricos que estavam a surgir no mercado, com fabricantes e mesmo a nível de diretrizes de governos a quererem que este tipo de veículos se tornasse o sector automóvel dominante (hoje a PSA também se rendeu um pouco ao elétrico…). Enfim, boleias partilhadas com veículos a transportar vários utilizadores, diferentes tipos de combustível assegurando que os veículos têm mecanismo de redução de emissões, transportes públicos, são diferentes opções, não esquecendo a designada mobilidade suave (bicicletas, trotinetas, etc.), mas no contexto da maioria dos FCTenses não é uma opção muito viável, principalmente para quem tem de atravessar a ponte 25 de Abril, ou quem percorre diariamente longas distâncias.


Quais são os seus hobbies favoritos?

Antigamente a leitura. Li imenso ainda muito jovem, Victor Hugo, Dostoievski (nas férias do 9º para o 10º), Gorki, Jean-Paul Sarte, o meu pai tinha a sala revestida de estantes cheias de livros. Nas férias não havia televisão durante o dia, só aos fins de semana, nós os 3 mais velhos, líamos imenso (e comíamos imenso, no total em nossa casa consumiam-se 33 a 35 carcaças por dia, era eu que ia à padaria, e 60 ao fim de semana). Hoje, o que faço nas horas livres (que simplesmente deixaram de existir) é dar catequese. Colaboro na paróquia de São Tomás de Aquino há cerca de 12 anos (este é o sexto ano em que ajudo na coordenação). Fé e ciência não são de forma alguma inconciliáveis. A ciência ajuda a esclarecer a fé, a fé traz um universo maior e amplia a ciência. Não me vejo a deixar de ser catequista. Faz já parte da minha maneira de estar no mundo, trazer os mais pequenos à relação com Deus.


Qual é a sua melhor memória de infância?

A praia da Galé (hoje designada de S. Lourenço) e da Coelha, no Algarve, nas quais passávamos os 3 meses de verão em casas muito simples, ainda com cisternas no exterior, daí o meu horror ao desperdício de água. Ali, se gastássemos toda a água, teríamos de esperar dias para sermos reabastecidos. As sestas prolongadas dos meus pais e nós a explorar rochas, piscinas naturais em locais no limiar do perigo, mas que não nos assustavam em crianças. No Algarve, o mar sempre foi para mim uma extensão da praia, uma ponte ao encontro de outros, algo que nos ampliava e nos tornava maiores que nós próprios. E voltando ao tema da mobilidade, aí sim, as bicicletas e o andar a pé de sandálias ou descalços, eram os meios de mobilidade de eleição.


Qual o seu estilo de arte favorito? (Pintura, escultura, poesia, literatura, música, cinema, teatro, etc…)

Na pintura, os estilos impressionista e abstrato. Gosto de olhar para um quadro e ver mais além (as minhas filhas ainda se riem, por numa exposição em Barcelona, já irem adiantadas com meu marido e, ao voltarem atrás, terem-me descoberto a olhar demoradamente para um quadro que tinha essencialmente uma pinta - ninguém percebeu o que me reteve ali…). Na escultura, Henri Moore, Auguste Rodin, Bourdelle. O gosto por estes escultores alerta para a acessibilidade à arte. Quando a minha família veio morar para Lisboa, na Duque D’Ávila, a Gulbenkian era o nosso jardim de brincadeiras (somos 5 irmãos e viemos morar perto da minha tia, no Bairro Azul, com 6 filhos, assim o espaço aberto favorito era a Gulbenkian, entre a casa de ambas as famílias, onde cabíamos todos). Não esquecerei as imensas exposições que vimos, sempre gratuitamente. O ser gratuito, a proximidade aos jardins, com peças inclusive expostas no exterior, tornavam a arte muito próxima, familiar mesmo. Não precisávamos de pedir autorização a ninguém, entrávamos e saíamos quando queríamos. Essa experiência encheu-nos de arte o olhar e a alma, de forma impagável. Também ia frequentemente aos concertos da Gulbenkian (eu e meus irmãos – os 3 mais velhos - revezávamo-nos na fila para conseguir os bilhetes para as temporadas para o meu pai e sempre que este não podia, eu ia, mas custava-me o ambiente muito seleto, distinto, eu de calças de ganga e mochila coçada, vinda do liceu…).


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