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João Crespo

Esta foi uma entrevista conduzida pela colaboradora do departamento de Comunicação, Rita Grácio. O entrevistado foi o professor João Crespo, regente/docente em várias Unidades Curriculares, tanto do primeiro como do segundo ciclo de estudos, figura de reconhecimento internacional na área dos processos de separação e membranas. É uma figura incontornável do percurso dos estudantes do curso e por isso, aqui, podem conhecer a pessoa por trás do nome e do manto da docência.

Seguem as questões e as respostas, sem mais demora:




Como foi o seu percurso académico? O que o levou a escolher o curso que tirou?

Foi um percurso se calhar idêntico ao de muitos. Fiz o liceu, na escola pública, no Liceu Dom João de Castro. Os anos que por lá passei foram absolutamente fantásticos. Pode até parecer estranho, mas tenho recordações muito mais interessantes dos professores do liceu do que dos da universidade. Devo dizer que no liceu tive professores genuinamente empenhados em motivar os alunos.

Naquela altura eu fazia uma vida normal, saía à noite, divertia-me, tinha namorada, tudo o que era normal e próprio da idade, mas era completamente fascinado com o que estava a prender e pelo modo como aprendia. Tudo isto muito fruto dos professores onde eu notava que gostavam verdadeiramente do que faziam. Também tinha uma turma onde gostávamos muito uns dos outros, já nos voltámos a reencontrar duas ou três vezes e passamos horas a conversar e a recordar esse mesmo fascínio que era comum a muitos de nós.

Curiosamente eu não gostava especialmente de Química, adorava Física e Matemática e achava muita graça a Biologia. Na altura da decisão do curso superior percebi que Engenharia Química era mais ou menos a intersecção de todos estes meus gostos, portanto foi por aí que fiz a minha escolha. Percebi depois que a Química de liceu é um bocadinho desinteressante e não foi de todo pela Química que sentia deslumbramento, até gostava mais, por exemplo, de Filosofia, disciplina a que tinha um professor fantástico. Era muito bom aluno, naquela altura podia ter entrado no curso que me apetecesse. Acabei por fazer uma daquelas coisas um bocadinho irresponsáveis, mas que correu bem, a minha candidatura tinha apenas uma cruz: Engenharia Química no Instituto Superior Técnico.

Entrei no Técnico, mas confesso que não gostei muito da experiência, achei que os professores não estavam particularmente interessados nos alunos, embora com algumas boas exceções. Eu também vinha com a fasquia alta do liceu, mas tenho a sensação que na altura o Técnico era uma escola de sobrevivência, o que me levou a perder aquele fascínio pelo que estávamos a estudar. Embora tenha feito o curso todo muito direitinho foi um pouco uma desilusão. Curiosamente nunca deixei nenhuma disciplina para trás, nem nunca fui a época especial, percebi desde início que se começasse a deixar coisas atrasadas ia ser uma complicação, então criei essa auto-disciplina.


Após terminado o curso como foi o seu percurso?

Quando saí do Técnico comecei logo enviar currículos para todo lado, porque queria ter uma experiência na indústria. Fui chamado para uma entrevista na Quimigal, para a fábrica de adubos no Barreiro. Fui selecionado para um cargo com um nome pomposo: chefe de fábrica, e gostei muito mas também percebi muito rapidamente que não era o que eu queria fazer toda a vida. Não teve nada a ver com o ambiente de trabalho, porque era absolutamente fantástico, e eu até gostei do que estive a fazer, mas acho que era pouco desafiante intelectualmente. Era um trabalho muito convencional e eu era novo e cheio de vontade, de ideias e achei que não era aquilo que eu queria fazer na vida. Era um tipo de trabalho que precisava de muito bom senso mas eu considero que sou uma pessoa dada ao bom senso, portanto isso para mim não era exatamente complicado. Tinha que me relacionar com os serviços todos, com a manutenção, com a logística, com os transportes e isso é uma coisa que eu acho que faria sempre bem, de forma natural, portanto não era desafiante para mim.

Foi então que vi um anúncio para um lugar de assistente estagiário na Nova e na altura não era preciso ser doutorado para concorrer. Fui selecionado e comecei com percurso normal de doutoramento. Fiz o doutoramento cá, com uma componente bio associada, trabalhei em biorreatores e comecei a trabalhar em biorreatores de membrana, e aí começou a surgir o meu interesse por membranas. Foi um grande desafio, pesado fisicamente. Tinha um trabalho laboratorial muito pesado, com muitas horas de trabalho à noite e ao fim-de-semana e agora quando olho para trás percebo que só poderia ter feito aquilo naquela idade, mas gostei. O doutoramento foi feito cá, mas fiz 4 meses nos Estados Unidos, 5 meses em França e depois quando entreguei a tese realizei um pequeno pós-doc na Alemanha durante 5 meses.


Quais são as principais diferenças que nota no ensino?

Não quero pôr um tom negativo no período que passei no Técnico. Na altura em que eu entrei o IST já estava muito estabilizado, mas foi uma época em que pensavam ser necessário ter regras mais rígidas com os alunos. Não nos podemos esquecer que eu vinha de uma experiência de liceu que me fez entrar com aquele entusiasmo, sempre à espera um pouco da continuação. Mas o que eu acho que é absolutamente necessário é que quem quer ser professor na universidade tem verdadeiramente de gostar de dar aulas. Dar aulas no fundo não é mais do que estar a comunicar com outras pessoas. A forma como damos aulas por vezes é demasiado recitativa, eu às vezes também sinto isso, enquanto podiam ser mais até de discussão.

Se calhar o meu lado mais artístico é o gosto por comunicar, o gosto pelo palco é verdadeiramente algo que me dá prazer. E como disse: no fundo dar aulas é estar a comunicar com as pessoas e ter a hipótese de ter uma audiência de pessoas jovens que se quiserem podem estar a pensar a partir daquilo que eu estou a dizer, e essa ideia fascina-me. No fundo eu acho que a forma de comunicar na universidade mudou muito e que o elemento essencial, quer no passado quer agora, é que quem dá aulas, quem escolhe ser professor tem que gostar de dar aulas e de ser professor. Outra coisa que acho absolutamente essencial, e que eu próprio às vezes deixo um bocadinho para trás, é a preocupação com a relação com os nossos alunos, ouvi-los e perceber se continuam motivados e interessados. No fundo estamos aqui para ajudar as pessoas a desenvolver uma carreira e um bom professor é aquele que tem a capacidade de entusiasmar, de abrir oportunidades. É nossa responsabilidade dar-vos ferramentas para evoluírem profissionalmente.


Por onde é que acha que tem de passar a reforma do ensino?

Garantir condições para os professores darem boas aulas, que entusiasmam os alunos. O que digo é diferente de ser facilitista, porque não se pode confundir as duas coisas, acho até que temos que ser mesmo exigentes porque na vida temos momentos de grande exigência.

E atenção, não estou a dizer que as minhas aulas são as melhores do mundo, eu até gostava de dar aulas diferentes, mais participadas. Por exemplo, a questão da avaliação contínua, que à partida é uma boa ideia, mas que leva os alunos a desaparecerem das aulas para estudar, é um problema gravíssimo, pelo que é urgente que seja revisto. Temos a responsabilidade de fazer os alunos pensarem que ir a uma aula vale a pena. Por isso, sem dúvida que temos de vos envolver mais nas aulas.


O que acha da propina gratuita?

A minha opinião é muito impopular. Eu sou completamente contra, penso que o que faz sentido é criar condições para que todas as pessoas que queiram estudar, o possam fazer. Ou seja, se um jovem neste país quizer ir para a universidade e tiver capacidade intelectual para tal, o facto de não ir por limitações financeiras é um crime, mas não acho que a solução para isso seja a propina gratuita. É verdade que as propinas têm um valor que para algumas famílias significa muito enquanto que para outras significa menos, mas para esta última é legítimo que ajudem a suportar o custo do ensino. Acho que era muito mais importante que o dinheiro que o Estado gastaria na isenção de propinas fosse empregue por exemplo a construir mais residências ou a ter mais bolsas de estudo. Se colocar num prato e no outro o que é que eu acho que é mais relevante, penso que prevalece este tipo de apoio porque, não faz sentido que um aluno tenha de pagar 500€ por um quarto.

Portanto reforço o que já disse, devíamos ter um contacto muito próximo com os alunos e perceber se há alguém que deixa de estudar por estar a pagar propina. Por exemplo, as propinas nos mestrados às vezes sobem, a pergunta que nós devíamos fazer não é se elas devem subir ou não, mas se há algum aluno que tenha concluído a licenciatura e deixe de ir para o mestrado por questões financeiras. Se isso acontecer há aqui um problema que nós temos a obrigação de resolver.



Qual o principal conselho para os alunos do nosso curso?

Que tentem manter-se entusiasmados. Temos alunos muito diferentes, mas devo dizer que às vezes, quando saem daqui e os encontro mais tarde, profissionalmente, fico super surpreendido e até mesmo orgulhoso com a formação que vocês têm e obviamente que o mérito é muito vosso. E para isso é importantíssimo que achem que vale a pena estar aqui. Há no fundo uma responsabilidade mútua, dos professores para criar aulas que verdadeiramente ajudem os alunos a crescer e que os mantenham entusiasmados, e da parte dos alunos para encontrarem entusiasmo em algum lado. Depois, a universidade é um sítio bom para ganhar bons hábitos profissionais como a pontualidade e a ética de trabalho.



Qual o principal conselho para os alunos que estão agora a entrar no mercado de trabalho?

Primeiro é que não se encolham, é importante ter um ego bem colocado, não é pensar que sou maior do mundo mas também não pensar que sou fim da linha. Todos nós temos as nossas inseguranças, mas todos temos valor e temos que o demonstrar sem nos inibirmos. Devem ser exigentes com vós próprios, até podem aceitar o primeiro emprego, que pode não ser o que querem, mas não se podem acomodar. Fazer aquilo que gosta na vida é meio caminho para ser bem sucedido. Devemos sempre procurar aquilo que achamos que vamos fazer bem e que nos vai dar prazer em fazer, é aqui que está a diferença entre ter um emprego e ter um trabalho.

Outra coisa importante a relembrar é que fazer o ensino superior vos dá mais opções, e quando se vai trabalhar para algum lado é fulcral manter sempre a porta aberta.



Quais são os seu hobbies favoritos?

A minha paixão fora do trabalho tem muito mais a ver com Cinema e Fotografia. Fiz vários cursos de fotografia na altura que ainda era necessário ir ampliar as fotografias para laboratório, revelar os rolos, agora tenho perdido um pouco esse hábito, mas em relação ao cinema o fascínio continua. Vou à Cinemateca praticamente todas as semanas e confesso que durante o curso faltava a muitas aulas para ir ao cinema, na altura Lisboa tinha ciclos de cinema fantásticos. Nunca ponderei fazer do cinema carreira porque considero que neste tipo de coisas temos de sentir que temos talento e sou mais um admirador passivo do que activo. Com a fotografia tenho uma história engraçada, quando estava em Nova Iorque, a dias da viagem de regresso, tal era a minha obsessão que comprei uma máquina fotográfica, fiquei sem dinheiro e durante 3 dias comi apenas bananas.

Além disso, gosto muito de música, em particular de jazz e vou muito a concertos. Semanalmente jogo ténis.

Em relação à minha vida familiar tento estar sempre presente. Tenho dois filhos rapazes que enquanto viviam em casa só uma vez faltei ao aniversário de um deles, e ainda hoje tenho remorsos por ter faltado. Também nunca faltei a um aniversário da minha mulher, nem do nosso casamento. Estar presente é algo que eu faço questão. Podem ver que um professor universitário é uma pessoa completamente normal.



Entre ser professor, investigador ou engenheiro, se tivesse de escolher um qual seria?

Não consigo dissociar as três coisas. Nas minhas aulas acabo por dar exemplos do que aprendi profissionalmente. Uma empresa pede-nos que solucionemos problemas, e no fundo também é isso que fazemos em sala de aula mas de forma mais teórica, daí a importância de trazer para estas um pouco da nossa experiência pessoal e profissional. Não consigo mesmo escolher uma das três. Aliás, eu acho que estar aqui tem estas componentes quase de forma natural, ou seja, eu gosto muito de dar aulas e nos anos em que não dei fiquei com imensa pena, e gosto muito de investigação, gosto de especular mesmo que à partida pareçam ideias um pouco loucas. Sinto-me em partes iguais professor, investigador e engenheiro.


Na sua opinião, para sermos bem-sucedidos temos de mostrar que estamos sempre a fazer alguma coisa?

Penso que o importante é sabermos ser seletivos nos desafios e projetos que aceitamos e integramos. Não sei se é útil e proveitoso estar sempre a fazer muita coisa, andar atrás do tempo e de todas as tarefas que temos para fazer, porque há uma coisa que é absolutamente essencial: tempo para pensar. Existe aquela diferença entre fazer coisas urgentes e fazer coisas importantes, e sinto que, infelizmente, nós fazemos muitas coisas urgências e poucas importantes, pelo que devemos saber dosear isso. E há ainda outro ponto fulcral, que é o tempo livre e o tempo com a família e amigos. O sucesso e a forma como encontramos a nossa paz e o nosso prazer, independentemente da forma que seja, andam sempre interligados.

O essencial é que cada um se conheça suficientemente bem para que possa fazer as escolhas que lhe fazem sentido. A nossa grande questão, enquanto sociedade, é como conseguir criar condições para que cada um de nós dê o melhor de si e esteja melhor consigo próprio.


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